A BASF, multinacional do setor de grãos, está sendo investigada no caso dos 85 trabalhadores resgatados em condições semelhantes à escravidão em lavouras de arroz de Uruguaiana, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. O Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) não vinham divulgando para não atrapalhar a apuração, mas a reportagem da RBS TV confirmou o nome da empresa com fontes.
Em nota, a BASF afirma que tomou conhecimento do caso e que “lamenta profundamente o ocorrido com os trabalhadores”. A BASF informou, também, que tem contrato com as fazendas para produção de sementes de arroz e “decidiu, de maneira pró-ativa, procurar as autoridades para contribuir com a resolução do caso”.
Por fim, a empresa diz que “segue exigências de contratação de fornecedores e subcontratados e que condena as práticas que desrespeitam os direitos humanos”. Leia a íntegra abaixo
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) já identificaram os elos da cadeia produtiva do arroz nas duas estâncias onde houve o resgate. Os proprietários das terras, o arrendatário de uma das fazendas, os aliciadores e uma grande empresa de sementes que comprava e controlava a safra. Os nomes dos envolvidos são mantidos sob sigilo pelas autoridades.
O esforço da fiscalização, agora, é identificar precisamente a responsabilidade de cada um dos envolvidos. Após essa etapa, deve ocorrer a negociação do pagamento voluntário das obrigações de cada um para com os trabalhadores, em indenizações individuais, e com a sociedade, em direitos coletivos.
O resgate ocorreu na última sexta-feira (10). Todos os trabalhadores estão sob atendimento dos órgãos de trabalho. Do total de pessoas, 11 são adolescentes com idades entre 14 e 17 anos.
Trabalhadores foram resgatados de situação análoga à escravidão em Uruguaiana — Foto: Ministério Público do Trabalho/Divulgação
Os proprietários da estância São Joaquim disseram que a propriedade está arrendada para uma pessoa que faz o plantio do arroz no local. Eles alegam que não sabiam das suspeitas de exploração de mão de obra e condenaram o que ocorreu. “Jamais imaginamos estarmos envolvidos em uma situação dessas”, diz um dos proprietários.
Em nota, a estância Santa Adelaida afirma que os trabalhadores encontrados não fazem parte do quadro da empresa e que eram terceirizados. A fazenda diz estar à disposição da Justiça para o esclarecimento do caso. “Somos produtores de arroz há 30 anos, e durante todo este período procuramos estar rigorosamente em dia com toda a legislação trabalhista, com as devidas normas de segurança e principalmente com o bem estar de todos os colaboradores que estão ou estiveram conosco ao longo destes anos”, diz. Leia a nota abaixo.
Novos casos
O MTE diz que, nos últimos dias, mais de 30 pessoas se apresentaram após o flagrante dizendo que também trabalharam nessas fazendas, mas que não estavam no local no dia do resgate. Como as condições de trabalho eram precárias, a rotatividade de mão de obra era alta, segundo os fiscais. Dessa forma, muitos trabalhadores abandonavam a atividade e eram substituídos por outros.
“Nós ‘trabalhava’ de pé descalço. Só aqui nas mãos também saiu ferida aqui. (…) Só que nós não ‘tava’ lá no dia que pegaram os guris, lá, sabe? Nós não ‘tava’. Eu queria saber o que que vão fazer por nós também”, diz um deles, que prefere não ser identificado.
Os fiscais dizem que os que não foram resgatados na fazenda devem buscar a Defensoria Pública, o sindicato da categoria ou um advogado particular para pedir seus direitos na Justiça do Trabalho.
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em conjunto com a Polícia Federal (PF) e com o MPT, busca identificar quem são os empregadores dessas 85 pessoas.
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de Uruguaiana montou um grupo para acolher as pessoas vítimas de trabalho análogo à escravidão. Fazem parte do grupo as secretarias de Agricultura, Educação e Saúde. Em conjunto com o município, o Conselho Tutelar começou a busca pelos adolescentes resgatados.
Relembre
Conforme a fiscalização, os trabalhadores realizavam o corte manual do arroz e a aplicação de agrotóxico na plantação. Os resgatados não utilizavam equipamentos de proteção e caminhavam à exaustão antes de chegarem ao local em que desempenhavam as atividades, de acordo com as autoridades.
A refeição e as ferramentas de trabalho eram custeadas pelos próprios empregados. As condições degradantes incluíam comida azeda, não fornecimento de água e caminhadas de cerca de uma hora sob o sol escaldante para chegar ao local em que desempenhavam as atividades. Segundo Vitor Siqueira Ferreira, os próprios funcionários dos órgãos de fiscalização ficaram impressionados com a situação.
A comida deles azedava e eles tinham que repartir o que não azedava entre eles. Sem local de descanso, então muitas vezes tinham que dormir embaixo do ônibus, que era onde tinha sombra”, relata o auditor.
Se algum deles adoecesse, teria remuneração descontada, segundo apurado pela fiscalização. Conforme os relatos, um dos adolescentes sofreu um acidente com um facão e ficou sem movimentos de dois dedos do pé.
“Era um trabalho penoso, ficavam no sol, sem alimentação, sem água potável, muitas vezes tinham que andar mais de 50 minutos, muitos andavam descalços”, diz o procurador Hermano Martins Domingues.
A operação foi realizada em duas propriedades rurais do município, após uma denúncia informar que havia jovens trabalhando sem carteira assinada. Ao chegar ao local, a fiscalização constatou a situação e identificou adultos também em condição de escravidão.
De acordo com o MPT, os trabalhadores eram da própria região, vindos de Itaqui, São Borja, Alegrete e de Uruguaiana. Eles teriam sido recrutados por um agenciador de mão de obra que atuava na Fronteira Oeste.
Segundo o MPT, os trabalhadores vão receber de imediato três parcelas de seguro-desemprego, e os empregadores serão notificados para assinar a carteira de trabalho dos resgatados e pagar as devidas verbas rescisórias. Na sequência, serão pleiteados os pagamentos de indenizações individuais e coletivas.
A Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Federarroz), entidade que representa as associações de arrozeiros regionais, disse, em nota, que “estará acompanhando as apurações decorrentes do caso concreto, de modo a colaborar com seus devidos esclarecimentos”.
Já o governo do estado divulgou, também em nota, que “fez os atendimentos iniciais para acolhimento dos resgatados”.
Nota da BASF:
A BASF está comprometida com o desenvolvimento sustentável ao longo da sua cadeia de valor, que tem como premissa o respeito e a proteção às pessoas, bem como a transparência na sua relação com a sociedade. A companhia condena veementemente práticas que desrespeitem os direitos humanos.
A empresa tomou conhecimento sobre o caso envolvendo as Fazendas São Joaquim e Santa Adelaide em Uruguaiana-RS e lamenta profundamente o ocorrido com os trabalhadores. A BASF informa que tem contrato com estas fazendas para a produção de sementes de arroz.
A empresa decidiu de maneira proativa procurar as autoridades para contribuir com a resolução do caso.
A BASF segue exigências de contratação de fornecedores e subcontratados que incluem, entre outras medidas, que as empresas contratadas estejam de acordo com a lei trabalhista e sejam rigorosas no respeito aos direitos humanos.
A empresa não medirá esforços para solucionar a situação, contribuir com as autoridades e atuar para assegurar condições adequadas de trabalho, segurança e bem-estar de trabalhadores terceirizados e subcontratados por todos seus prestadores de serviços.
A companhia atua no Brasil há mais de 110 anos e investe em inovação para o desenvolvimento das melhores práticas para a agricultura, meio ambiente e a sociedade.
Fonte: G1